Um dia me pediram para escrever sobre o “casal perfeito”: bom para quem gosta de desafios. Minha primeira providência foi cercar com aspas o vocábulo “perfeito”.
O que justificaria o rótulo sobre o qual eu devia escrever?
Imediatamente ocorreu-me que parceiros de um casal “perfeito” precisam se querer bem como se querem os bons amigos, e temperar esse afeto com a sensualidade que distingue amizade de amor. Duas pessoas que compreendem, sem ressentimento nem cobranças, a inevitável dose de peculiaridades do ser humano e sua dificuldade de comunicação. Em última análise, toda a sua complicação.
A melhor parceria deve ser aquela em que um aceita o outro sem ter de se submeter a qualquer coisa pelo outro; em que um aprecia e admira o outro, mas tem por ele ternura e cuidados. Sobretudo aquela em que um parceiro não investe no outro todos os seus projetos, à primeira decepção passando de amor a rancor.
Se o outro servir de cabide para os nossos sonhos mais extravagantes de perfeição, o primeiro vento contrário derruba o pobre ídolo que não tem culpa de nada.
No casamento saudável há um propósito geral: quero passar com você o melhor de meus dias, construir com você uma relação gostosa, importante e definitiva.
É importante não correr para os braços do outro fugindo da chatice da família, da mesmice da solidão, do tédio. É essencial não se lançar no pescoço do outro caindo na armadilha do “enfim nunca mais só!”, porque numa união com expectativas exageradas decreta-se o começo do exílio.
Amor bom, além do mais, tem de suportar e superar a convivência diária.
A conta a pagar, a empregada que não veio, o filho doente, a filha complicada, a mão com Alzheimer, o pai deprimido, ou o emprego sem graça e o patrão grosseiro. Quando cai aquela última gota – pode ser uma trivialíssima gota -, a gente explode. Quer matar e morrer, e nos damos conta: nada mais em nossa relação é como era no começo. Não é nem de longe como planejávamos que fosse.
Não queremos continuar assim, mas não sabemos o que fazer. Ou sabemos, mas nos parece inexeqüível.
Na verdade, na parceria amorosa como em tudo o mais recomeçamos tudo todos os dias. Então podemos tentar começar diferentes também aqui e agora. O cotidiano conforta, os seus pequenos rituais são os marcos de nossa vida mais segura, mas também traz desencanto e monotonia.
Precisamos de criatividade num relacionamento amoroso, dizem. O problema é que quando se fala em “criatividade” numa relação a maioria pensa logo em inovações no sexo, como se a solução estivesse em novas posições, outro perfume, artifícios exóticos.
Transar bem é resultado, não meio. Como deveriam ser os filhos: fruto de um afeto vivo, não instrumento para consertar o que está falido.
Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não significa tédio nem fim de tesão), a gente começa a amar de outro jeito. Ou a amar melhor; ou: aí é que a gente começa a amar; a querer bem; a apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir falta; a conceder espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.
“Se você ama alguém, deixe-o livre”, estava escrito no bilhete que foi um dos maiores presentes que me deu alguém entre tantos outros bens.
Um pouco de lucidez e um bocado de maturidade (ah, que boa coisa, o tempo) há de mostrar se – e o quê – pode ser ainda conquistado a dois.
Isso entendido chega o momento da definição: e agora, o que fazer? Investir, se há mais possibilidades do que vazio.
Como a gente não desiste fácil – porque afinal somos guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e porque há os filhos, os compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto -, vamos criar um jeito de reconstruir o que parece esfarelado. Isto é: quando há vontade, afeto, quando resta interesse. Desde que seja uma reinvenção a dois, não a submissão de um e o exílio de outro. Pois o espaço entre opressor e oprimido é um vazio.
Mas e quando realmente nada mais resta de positivo?
Laços podem ser reconstituídos, remendados ou cortados. O corte se faz com mais ou menos generosidade, carinho ou hostilidade e raiva – sempre com dor. Porém nenhuma união deveria ser a sentença definitiva de aniquilamento mútuo dentro de uma jaula.
O que justificaria o rótulo sobre o qual eu devia escrever?
Imediatamente ocorreu-me que parceiros de um casal “perfeito” precisam se querer bem como se querem os bons amigos, e temperar esse afeto com a sensualidade que distingue amizade de amor. Duas pessoas que compreendem, sem ressentimento nem cobranças, a inevitável dose de peculiaridades do ser humano e sua dificuldade de comunicação. Em última análise, toda a sua complicação.
A melhor parceria deve ser aquela em que um aceita o outro sem ter de se submeter a qualquer coisa pelo outro; em que um aprecia e admira o outro, mas tem por ele ternura e cuidados. Sobretudo aquela em que um parceiro não investe no outro todos os seus projetos, à primeira decepção passando de amor a rancor.
Se o outro servir de cabide para os nossos sonhos mais extravagantes de perfeição, o primeiro vento contrário derruba o pobre ídolo que não tem culpa de nada.
No casamento saudável há um propósito geral: quero passar com você o melhor de meus dias, construir com você uma relação gostosa, importante e definitiva.
É importante não correr para os braços do outro fugindo da chatice da família, da mesmice da solidão, do tédio. É essencial não se lançar no pescoço do outro caindo na armadilha do “enfim nunca mais só!”, porque numa união com expectativas exageradas decreta-se o começo do exílio.
Amor bom, além do mais, tem de suportar e superar a convivência diária.
A conta a pagar, a empregada que não veio, o filho doente, a filha complicada, a mão com Alzheimer, o pai deprimido, ou o emprego sem graça e o patrão grosseiro. Quando cai aquela última gota – pode ser uma trivialíssima gota -, a gente explode. Quer matar e morrer, e nos damos conta: nada mais em nossa relação é como era no começo. Não é nem de longe como planejávamos que fosse.
Não queremos continuar assim, mas não sabemos o que fazer. Ou sabemos, mas nos parece inexeqüível.
Na verdade, na parceria amorosa como em tudo o mais recomeçamos tudo todos os dias. Então podemos tentar começar diferentes também aqui e agora. O cotidiano conforta, os seus pequenos rituais são os marcos de nossa vida mais segura, mas também traz desencanto e monotonia.
Precisamos de criatividade num relacionamento amoroso, dizem. O problema é que quando se fala em “criatividade” numa relação a maioria pensa logo em inovações no sexo, como se a solução estivesse em novas posições, outro perfume, artifícios exóticos.
Transar bem é resultado, não meio. Como deveriam ser os filhos: fruto de um afeto vivo, não instrumento para consertar o que está falido.
Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não significa tédio nem fim de tesão), a gente começa a amar de outro jeito. Ou a amar melhor; ou: aí é que a gente começa a amar; a querer bem; a apreciar; a respeitar; a valorizar; a mimar; a sentir falta; a conceder espaço; a querer que o outro cresça e não fique grudado na gente.
“Se você ama alguém, deixe-o livre”, estava escrito no bilhete que foi um dos maiores presentes que me deu alguém entre tantos outros bens.
Um pouco de lucidez e um bocado de maturidade (ah, que boa coisa, o tempo) há de mostrar se – e o quê – pode ser ainda conquistado a dois.
Isso entendido chega o momento da definição: e agora, o que fazer? Investir, se há mais possibilidades do que vazio.
Como a gente não desiste fácil – porque afinal somos guerreiros ou nem estaríamos mais aqui, e porque há os filhos, os compromissos, a casa, a grana e até ainda o afeto -, vamos criar um jeito de reconstruir o que parece esfarelado. Isto é: quando há vontade, afeto, quando resta interesse. Desde que seja uma reinvenção a dois, não a submissão de um e o exílio de outro. Pois o espaço entre opressor e oprimido é um vazio.
Mas e quando realmente nada mais resta de positivo?
Laços podem ser reconstituídos, remendados ou cortados. O corte se faz com mais ou menos generosidade, carinho ou hostilidade e raiva – sempre com dor. Porém nenhuma união deveria ser a sentença definitiva de aniquilamento mútuo dentro de uma jaula.
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