Dança Cigana
A alma cigana perfuma o lugar por onde passa.
A força, a espontaneidade e a alegria, aquela capacidade única dos nômadas de transformar as adversidades da vida numa energia profunda, numa experiência autêntica e libertadora reequilibrando as forças numa consciência interior mais forte e cúmplice é tão só expressada numa dança … a Dança Cigana!
Esta é a história de um povo nómada que, partindo da Índia se espalhou por todo o mundo. Ao longo dos séculos, apesar de constantemente expostos a múltiplas influências e pressões, conseguiram preservar uma identidade própria e demonstrar notável capacidade de adaptação e sobrevivência.
Esta é a história de um povo que sempre foi visto através da visão da cultura dominante ocidental. Falar de ciganos sem falar de racismo, xenofobia, discriminação é uma tarefa árdua pois estas são as conotações normalmente associadas à etnia cigana. Raramente se fala da sua cultura, da sua tradição, da sua música, da sua dança.
História
A origem do povo cigano remonta a tempos antigos, sobre os quais existe pouca ou nenhuma fonte escrita. Muitas histórias foram criadas na tentativa de contextualizar o seu surgimento e só há pouco tempo foi definitivamente assente a sua origem.
Recentes estudos linguísticos demonstram que os ciganos terão surgido na Índia e que por volta do ano mil, começaram a espalhar-se pelo mundo em várias ondas migratórias abandonando as suas terras nativas na Índia.
Primeiro pela Pérsia, depois pelo Império Bizantino, os ciganos espalharam-se por toda a Europa. Quase sempre segregados, excluídos e expulsos das sociedades por onde passavam, os ciganos criaram uma cultura própria que os ajudou a sobreviver.
Quando chegaram à Europa Ocidental no século XV, os ciganos diziam-se oriundos do “Pequeno Egipto”, ou seja, Épiro, na Grécia. Os europeus julgando-os do Egipto, começaram a chamá-los “egipcianos” ou “egitanos”; outros grupos de nómadas apresentaram-se como gregos ou “atsinganos”, o que explica a evolução do nome “cigano” nas várias línguas.
Mas assim que chegaram à Europa, os ciganos vão ser olhados como intrusos capazes de destabilizar uma sociedade de horizontes limitados e fechados. Às políticas primeiras políticas de exclusão do século XV e XVI, seguem-se as políticas de reclusão (século XVII, XVIII e XIX) e por fim chegam as políticas de inclusão (a partir da segunda metade do século XX). Esta política de inclusão embora pareça a certa, esconde muitos perigos. Ao pretender incluir a comunidade cigana nas comunidades de cada país, os governos pretendiam que houvesse uma assimilação do cigano na vida quotidiana do país. Por outras palavras, defendia-se uma aculturação da comunidade cigana que seria reintegrada na sociedade vigente sem reconhecimento das suas particularidades e especificidades.
Actualmente, os ciganos lutam pela afirmação dos seus direitos e pela preservação da sua cultura, enquanto continuam a viver à margem da sociedade.
Ciganos
As inúmeras vagas migratórias, bem como a convivência mantida com as populações já instaladas nos países onde chegaram, resultou numa acentuada diversidade cultural. Além disso, as suas migrações, tal como as fixações, deram origem a uma multiplicidade de subgrupos diferenciados entre si, formando quase um mosaico de estrutura mutável. Os critérios para se agruparem podem radicar numa origem social comum, na afinidade geográfica, num critério profissional ou, ainda, num traço comum importante.
Socialmente os ciganos são divididos em três grandes grupos: - os Rom, (Leste Europeu) - os Sinti (Alemanha, França, Áustria e Suiça) - e os Kalon (Portugal e Espanha) além de muitas sub divisões. Cada um destes grupos diferencia-se dos demais pelo dialecto (derivado do Romani), hábitos, tradições específicas, vestuário, etc.
Aos não-ciganos chamam de gadje, e muitos ciganos preferem que lhes chamem Roma, termo que em língua romani significa “homem”.
Pelo que transparece, a realidade cigana é muito variada. A diversidade da vivência histórica dos diversos grupos, os seus cruzamentos e entrecruzamentos, a sua sedentarização e itinerância, a diversidade dos seus contactos com meios diferentes consoante os lugares originaram, e ainda originam, uma grande diversidade de elementos culturais e sociais daqueles grupos. O seu grau de adaptação, a identidade do grupo, as estratégias constantemente reformuladas, nasce uma cultura muito própria, diferente e muito rica. No seu dinamismo nómada, adapta-se às circunstâncias, à variedade dos encontros e às condições de vida que lhe são proporcionadas.
Há sempre o risco de generalização involuntária quando se destacam aspectos particulares da vida dos ciganos e se procura retirar referências generalizadas das comunidades ciganas espalhadas pelo mundo.
A viagem é-lhes essencial, podendo afirmar-se que faz parte da sua realidade cultural, social e económica. O viajar é, acima de tudo, um estado de espírito, donde, mesmo no caso de uma família ter de ficar vários meses, ou até anos, fixa em determinado lugar, ela sente-se mais confortável sabendo que poderá mudar no momento em que lhe apetecer: a terra é a minha pátria, o céu o meu tecto e a liberdade a minha religião, eis como definem a sua condição.
O Acordo Schengen (da livre circulação dentro da União Europeia) rebateu um pouco as dificuldades de se movimentarem dos ciganos, mas não lhe pôs termo.
Os ciganos sedentários são agora a maioria, tanto no leste como no oeste europeu, mas a sua mobilidade continua a ser importante.
Várias formas associativas e movimentos de âmbito internacional surgem um pouco por todo o lado, defendendo a causa da minoria cigana e tutelando a sua cultura.
Dança cigana
A sua capacidade intrínseca de liberdade e comunicação, a capacidade de transformar as dificuldades e o sofrimento numa alegria que se espelha nas suas danças e músicas, fez com que a sua cultura, nomeadamente a sua dança se transforme numa manifestação livre e espontânea de toda a sua vida.
É notório o gosto cigano pelo colorido, pela música e pelo movimento e se há arte desde sempre associada ao povo cigano, ela é, sem dúvida, a da dança e da música. Estas, estão fortemente impregnadas da cultura cigana, de tal modo que não pode conceber-se qualquer manifestação cigana, alheia à música, ao canto e à dança. Elas animam sempre as suas festas. As orquestras ciganas ficaram célebres em muitos países da Europa e ficaram na histórias muitos nomes consagrados de músicos, cantores e bailarinos ciganos. Isto constitui até um dos traços mais característicos da cultura cigana.
Os ciganos aprendem a dançar desde novos com os familiares e amigos e nunca frequentam aulas de dança, pois consideram que essa prática iria retirar-lhes o encanto da espontaneidade e do sentimento vindo directamente da alma.
As influências da dança cigana remontam às origens do povo cigano, apresentando influências hindus, árabes, húngaras, romenas e espanholas. A dança preservou assim elementos das regiões por onde os ciganos passaram e incorporou-os.
Na dança cigana os primeiros passos começam pela postura, caminhar, ombros, braços e giros. Os ciganos dançam com alguns objectos que têm os seus significados próprios:
• Dança do Leque
• Dança da Echarpe
• Dança do Pandeiro
Música Cigana
Por onde passavam, os ciganos deixavam uma marca na música. Puristas afirmam que não existem músicas e danças essencialmente ciganas, mas apenas influências, o que gera controvérsias nas classificações. O certo é que o cigano não apenas assimilava a música dos países nos quais vivia, mas a mantinha viva e era capaz de enriquecê-la à sua maneira, transportando-a além fronteiras.
Foi na Europa central e oriental que a música cigana (vocal e instrumental) teve o seu público mais fiel e apaixonado. Os elementos turco árabes, recolhidos pelos músicos ciganos, floresceram na Hungria com a incorporação dos instrumentos, da técnica, da orquestração e da harmonização europeus. Assim, nos finais do século XV, à corte da Hungria eram chamados da Alemanha, França e Itália músicos ciganos, tocadores de alaúde.
Os ritmos ciganos são, geralmente, acompanhados por palmas e ritmos dos pés, conferindo uma alegria inigualável aos sons originários deste povo.
A música cigana é produzida essencialmente por instrumentos de corda:
a guitarra
a viola
os violinos
contrabaixo
balalaica
alaúde
acordeões
címbalos
castanholas
pandeiros
bandolim
A orquestra cigana passou a ser constituída por quatro instrumentos: dois violinos, um contrabaixo e um címbalo.
Glossário
Balcãs – zona europeia que inclui a Turquia, a Bulgária, a Grécia, a Albânia, a Ex-Jugoslávia, a Roménia e a Hungria.
Bandeira cigana – a parte superior é azul representando o céu, os valores espirituais e a parte inferior verde, representando a natureza, a terra, o crescimento. A roda no meio é a roda de sansara, roda indiana que representa o chakra.
Calé ou kalé – cigano espanhol.
Canto jondo – a palavra jondo deriva de “hondo”, profundo em espanhol. Termo proposto pelo poeta Garcia Lorca para substituir a palavra flamenco, julgando-a restritiva.
Castanholas – são instrumentos de percussão utilizados para acentuar o ritmo. Compõem-se de duas peças arredondadas e côncavas, feitas de madeira, marfim ou fibra, ligadas por um cordão que serve para segurá-las uma à outra e as duas ao polegar, fazendo-as bater uma na outra, com o movimento dos demais dedos.
Cengi – bailarina turca que cantava e dançava nos haréns, festas privadas e públicas.
Crótalos – quatro discos metálicos usados um par em cada mão, segurados nos dedos polegar e médio das duas mãos e que são utilizados tanto pelos músicos como pelas bailarinas para acompanhar o ritmo ou acentuá-lo.
Duende – do sânscrito “divindade” ele é a alma ou sentimento no flamenco.
Flamenco – combinação de canto, dança e toque da guitarra espanhola com o seu elemento fundamental, o duende.
Ghawazee – o termo refere-se à tribo de ciganos provenientes do noroeste da Índia (Rajastão), que migraram para toda a bacia mediterrânica e se fixaram no Egipto. São por isso conhecidos como ciganos egípcios.
Ghazyia – singular de ghawazee.
Mamouches – cigano francês.
Manton – grande xaile de seda com franja, indispensável a uma sessão de baile flamenco. O leque, as flores no cabelo, o vestido de cauda e as castanholas completam o traje.
Sevilhanas – dança originária da região de Sevilha, é dançada em pares e música e dança são divididas em quatro partes.
Shimi – vibração de uma parte do corpo provocado por um movimento alternado, pequeno e rápido que consequentemente reproduz no corpo num pequeno estremecimento.
Sinti – cigano alemão.
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• Vários números da Roma Rights, European Roma Rights Center
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