Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dóia idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.
Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.
Em Lya Luft, o silêncio diz tudo
Consagrada por seus ensaios ao mesmo tempo informais e profundos sobre os relacionamentos humanos, a escritora gaúcha Lya Luft está lançando a coletânea de contos O Silêncio dos Amantes (Record; 160 páginas; 28 reais). Trata-se de um retorno da autora à ficção, gênero em que ela primeiro se aventurou nos anos 80, como romancista.
Uma das colunistas mais conhecidas e admiradas dos leitores de VEJA, Lya retoma em seu novo livro o tema que a transformou numa ensaísta de sucesso: a incomunicabilidade entre os que se amam. Os vinte contos de O Silêncio dos Amantes tratam do que as pessoas deixam de dizer umas às outras, às vezes com conseqüências terríveis.
Na apresentação da nova obra, Lya conta que inicialmente pensou em compor um ensaio na linha de Perdas & Ganhos, seu grande best-seller de 2003, que vendeu 600.000 cópias. Depois, à medida que surgiam personagens, imaginou que tinha um romance em mãos – até a história se fragmentar nessa coletânea contos.
Leia mais sobre o livro, conheça trechos e dê sua opinião aqui.
Nos contos de O Silêncio dos Amantes, Lya Luft investiga
as dificuldades trágicas da comunicação humana
Foi com o ensaio, gênero não muito comum nas listas de best-sellers, que a escritora gaúcha Lya Luft se tornou sucesso de vendas. Com sua visada ao mesmo tempo informal e profunda dos relacionamentos humanos, Perdas & Ganhos, lançado em 2003,vendeu 600 000 exemplares. Foi seguido por Pensar É Transgredir, com 215 000. A ensaísta também é conhecida e admirada pelos leitores de VEJA. Os artigos de Lya estão freqüentemente entre os mais comentados da revista – "Baleias não me emocionam", texto de 2004, recebeu mais de 200 cartas. Antes desses números espetaculares, Lya estreou como romancista nos anos 80, com dramas familiares densos como Reunião de Família – livros de vendagem bem mais discreta, mas com o mesmo repertório de temas que a autora persegue de forma obsessiva. Sua última obra ficcional foi O Ponto Cego, romance de 1999. A alguns meses de completar 70 anos, Lya Luft está retornando à ficção com O Silêncio dos Amantes (Record; 160 páginas; 28 reais), uma coletânea de contos que, como o título anuncia, tratam do que as pessoas deixam de dizer umas às outras, às vezes com conseqüências terríveis.
Na apresentação da nova obra, Lya conta que inicialmente pensou em compor um ensaio na linha de Perdas & Ganhos. Depois, à medida que surgiam personagens, imaginou que tinha um romance em mãos – até a história se fragmentar nessa coletânea de vinte contos. A incomunicabilidade é a linha mestra do livro. Em várias histórias, os personagens, premidos pelas exigências do dia-a-dia, evitam travar diálogos que teriam o potencial até mesmo de salvar a vida de uma pessoa amada. É o caso do pai de A Pedra da Bruxa, conto que abre o livro: atrasado para compromissos, ele adia uma conversa com o filho mais novo – com quem nunca mais terá a oportunidade de falar, pois o menino desaparece misteriosamente no mesmo dia. O mistério, aliás, é um componente importante desses contos. Alguns trazem elementos fantásticos – em O Anão, por exemplo, o protagonista passa por uma grotesca metamorfose.
Os contos de Lya são muitas vezes de uma tristeza trágica. Ousada, a autora incursiona pelos temas mais dolorosos, como o suicídio infantil. Mas esse não é um livro desesperançado. O conto-título, que fecha O Silêncio dos Amantes, retrata um casal que consegue reconstruir a vida e reencontrar uma precária felicidade depois de ser afligido pelas piores circunstâncias – ela, abandonada pelo marido cafajeste; ele, viúvo cuja primeira mulher, grávida, foi brutalmente assassinada por um assaltante. Há certo toque gótico na história, na forma de um fantasma que ronda os personagens. Mas o fantasma é, como tantos personagens da coletânea, silencioso.
Um fantasma que sofre "Estou aprendendo a ser feliz outra vez, ele diz. Talvez consiga esquecer. Mas a moça morta com seu ventre grande não esquece. Ronda esta casa no lusco-fusco da madrugada ou do anoitecer, e às vezes eu vislumbro o vermelho pálido de um vestido nos arbustos. Percebo seus olhos melancólicos e desesperados, atrás da vidraça, vejo que se esgueira no fundo do corredor, uma rápida aparição que não amedronta. (...) Não tem importância que espie tristemente pela janela ou se esconda atrás das árvores. Talvez espreite a felicidade do homem amado com outra mulher, e sofra. Ou sente-se apaziguada vendo que ele, ao menos, voltou à vida." Trecho do conto O Silêncio dos Amantes |
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