Amor congelado
Por Pedro J. Bondaczuk
A admiração, embora seja um sentimento bastante freqüente e até comum em nossa vida, é pouco compreendida e, por isso, raramente abordada pelos escritores, pelo menos de forma explícita. Pode ser algo passageiro e ocasional, diante da visão de alguma coisa extraordinária, bela ou inesperada, ou definitiva, quando admiramos alguma pessoa, por exemplo, por feitos notáveis, postura correta e nobre ou comportamento louvável e exemplar.Admiramos determinada mulher, de rara beleza, embora não a vejamos nunca mais e sequer venhamos a tomar conhecimento de quem seja. Ou algum fato inusitado, que fuja do comum e que, portanto, não mais se repita. Ou um acontecimento inesperado, que seja bem diferente da nossa expectativa e até da lógica. Estes são, apenas, alguns exemplos de admiração, mas a fortuita, ocasional, passageira.Refiro-me, aqui, claro, à acepção positiva do termo que o dicionário lhe empresta. Ou seja, ao “sentimento agradável que se apodera do nosso ânimo ao ver coisas extraordinárias, belas ou inesperadas”.Existe, porém, a admiração negativa, de surpresa e espanto, por determinadas ações destrutivas e maldosas, que não julgávamos que seu autor fosse capaz de praticar. E esta vem sempre acompanhada de um outro sentimento ruim: o da decepção. Mas não é este o significado que me interessa.Admiro os idealistas, que abrem mão dos próprios interesses e dedicam a vida a lutar por causas nobres e altruístas, que promovam o engrandecimento, a justiça, a dignidade e a solidariedade gerais. Espanto-me, positivamente, com os bondosos, que socorrem os que necessitam, sem que sequer tenham qualquer espécie de afinidade com eles e sem esperar a mínima retribuição, sequer um agradecimento, como as magníficas figuras de São Francisco de Assis, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, Albert Schweitzer e tantos e tantos outros exemplares modelos de bondade e de amor.Tenho admiração sem limites pelos lutadores das boas causas, pelos persistentes, pelos que jamais admitem derrotas e que, quando caem, sempre, e invariavelmente, se levantam e persistem, persistem e persistem, com vigor e dignidade, enquanto tenham um sopro que seja de vida.Admiro os talentosos, que partilham seu talento com o mundo, mas com modéstia e humildade, sem que se julguem os “reis da criação”. Os responsáveis, que fazem o que lhes compete, com assiduidade e competência, sem queixas e nem reclamações, mesmo que pertinentes. Os que são positivos e que não se deixam abater, jamais, por circunstâncias e vicissitudes. Os bem-humorados e alegres, cuja presença é uma bênção e que conseguem nos contaminar com sua alegria e bom-humor até nas situações mais tensas e aflitivas da vida.A escritora francesa Françoise Sagan definiu admiração como “amor congelado”. “Por que esse congelamento?”, perguntará o leitor. Porque, muitas vezes, em decorrência de circunstâncias que nos fogem ao controle, não temos como manifestá-lo às pessoas que admiramosÉ o caso, por exemplo, dos que morreram muito antes do nosso nascimento e que, por seus feitos e atitudes, amamos sem restrições, com veneração e, não raro, até com devoção. Ou que, mesmo vivos, e nossos contemporâneos, não temos como estabelecer contato pessoal, ou por viverem em países remotos, distantes dos nossos, ou por nos serem inacessíveis por outras tantas razões.A despeito desses obstáculos, apesar de não haver como lhes expressar nosso amor, ele existe, é genuíno, sincero, profundo. Mas permanece “congelado”. Ou seja, não pode ser manifestado. Fica ali, em nosso cérebro, à espera de alguma oportunidade para ser explicitado. Na maioria das vezes, esta nunca surge.O defeito da definição de Françoise Sagan, porém, é sua generalização. Nem sempre somos impedidos de manifestar nossa genuína admiração por alguém que a tenha feito por merecer. Não raro, a pessoa que admiramos integra o nosso círculo de relacionamentos, quando não habita sob o mesmo teto nosso.Nessas circunstâncias, o amor é ativo, quente, fervente e não “congelado”, como afirmou a escritora francesa. Admiramos, por exemplo, o empenho dos nossos pais em nos proporcionar conforto, segurança e nos transmitir um conjunto de valores que nos garanta um futuro equilibrado e bom. Admiramos determinado mestre, que teve influência decisiva em nossa educação.Temos profunda admiração (quando temos) pelas virtudes da nossa esposa, por sua beleza, fidelidade e abnegação. Sentimos espanto positivo por amigos sinceros e leais, que nos corrigem ou exortam, dependendo das circunstâncias; que nos acompanham e estão sempre presentes, nos bons e maus momentos da nossa vida. O que sentimos, na verdade, por todos esses personagens é amor. Mas não o “congelado”. Pelo menos não deveria ser.
Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor, autor do livro “Por Uma Nova Utopia”
Por Pedro J. Bondaczuk
A admiração, embora seja um sentimento bastante freqüente e até comum em nossa vida, é pouco compreendida e, por isso, raramente abordada pelos escritores, pelo menos de forma explícita. Pode ser algo passageiro e ocasional, diante da visão de alguma coisa extraordinária, bela ou inesperada, ou definitiva, quando admiramos alguma pessoa, por exemplo, por feitos notáveis, postura correta e nobre ou comportamento louvável e exemplar.Admiramos determinada mulher, de rara beleza, embora não a vejamos nunca mais e sequer venhamos a tomar conhecimento de quem seja. Ou algum fato inusitado, que fuja do comum e que, portanto, não mais se repita. Ou um acontecimento inesperado, que seja bem diferente da nossa expectativa e até da lógica. Estes são, apenas, alguns exemplos de admiração, mas a fortuita, ocasional, passageira.Refiro-me, aqui, claro, à acepção positiva do termo que o dicionário lhe empresta. Ou seja, ao “sentimento agradável que se apodera do nosso ânimo ao ver coisas extraordinárias, belas ou inesperadas”.Existe, porém, a admiração negativa, de surpresa e espanto, por determinadas ações destrutivas e maldosas, que não julgávamos que seu autor fosse capaz de praticar. E esta vem sempre acompanhada de um outro sentimento ruim: o da decepção. Mas não é este o significado que me interessa.Admiro os idealistas, que abrem mão dos próprios interesses e dedicam a vida a lutar por causas nobres e altruístas, que promovam o engrandecimento, a justiça, a dignidade e a solidariedade gerais. Espanto-me, positivamente, com os bondosos, que socorrem os que necessitam, sem que sequer tenham qualquer espécie de afinidade com eles e sem esperar a mínima retribuição, sequer um agradecimento, como as magníficas figuras de São Francisco de Assis, Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, Albert Schweitzer e tantos e tantos outros exemplares modelos de bondade e de amor.Tenho admiração sem limites pelos lutadores das boas causas, pelos persistentes, pelos que jamais admitem derrotas e que, quando caem, sempre, e invariavelmente, se levantam e persistem, persistem e persistem, com vigor e dignidade, enquanto tenham um sopro que seja de vida.Admiro os talentosos, que partilham seu talento com o mundo, mas com modéstia e humildade, sem que se julguem os “reis da criação”. Os responsáveis, que fazem o que lhes compete, com assiduidade e competência, sem queixas e nem reclamações, mesmo que pertinentes. Os que são positivos e que não se deixam abater, jamais, por circunstâncias e vicissitudes. Os bem-humorados e alegres, cuja presença é uma bênção e que conseguem nos contaminar com sua alegria e bom-humor até nas situações mais tensas e aflitivas da vida.A escritora francesa Françoise Sagan definiu admiração como “amor congelado”. “Por que esse congelamento?”, perguntará o leitor. Porque, muitas vezes, em decorrência de circunstâncias que nos fogem ao controle, não temos como manifestá-lo às pessoas que admiramosÉ o caso, por exemplo, dos que morreram muito antes do nosso nascimento e que, por seus feitos e atitudes, amamos sem restrições, com veneração e, não raro, até com devoção. Ou que, mesmo vivos, e nossos contemporâneos, não temos como estabelecer contato pessoal, ou por viverem em países remotos, distantes dos nossos, ou por nos serem inacessíveis por outras tantas razões.A despeito desses obstáculos, apesar de não haver como lhes expressar nosso amor, ele existe, é genuíno, sincero, profundo. Mas permanece “congelado”. Ou seja, não pode ser manifestado. Fica ali, em nosso cérebro, à espera de alguma oportunidade para ser explicitado. Na maioria das vezes, esta nunca surge.O defeito da definição de Françoise Sagan, porém, é sua generalização. Nem sempre somos impedidos de manifestar nossa genuína admiração por alguém que a tenha feito por merecer. Não raro, a pessoa que admiramos integra o nosso círculo de relacionamentos, quando não habita sob o mesmo teto nosso.Nessas circunstâncias, o amor é ativo, quente, fervente e não “congelado”, como afirmou a escritora francesa. Admiramos, por exemplo, o empenho dos nossos pais em nos proporcionar conforto, segurança e nos transmitir um conjunto de valores que nos garanta um futuro equilibrado e bom. Admiramos determinado mestre, que teve influência decisiva em nossa educação.Temos profunda admiração (quando temos) pelas virtudes da nossa esposa, por sua beleza, fidelidade e abnegação. Sentimos espanto positivo por amigos sinceros e leais, que nos corrigem ou exortam, dependendo das circunstâncias; que nos acompanham e estão sempre presentes, nos bons e maus momentos da nossa vida. O que sentimos, na verdade, por todos esses personagens é amor. Mas não o “congelado”. Pelo menos não deveria ser.
Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor, autor do livro “Por Uma Nova Utopia”
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